Luciana Bolognini
ApresentaçãoNeste texto abordo a questão educacional a partir do educador social, que tem sua ação pautada na busca da mudança e compreensão da realidade. Ator que proporciona um diálogo problematizador, e envolve o educando na busca de soluções. Este texto é fruto de experiências que vivenciei como educadora social e a reflexão realizada com outros educadores sociais, refletindo sobre a prática do educador (não formal) e sobre a teoria adquirida no mundo acadêmico. Também foi importante para a reflexão, num segundo momento, a visão estigmatizada que os educadores¹ fazem do jovem (pobre-periférico). Este é visto como incapaz, seja por culpa da sociedade, da família ou por culpa própria, ou como causador de inúmeros problemas, sempre relacionados a temas de marginalização, delinqüência e violência. Ou em última hipótese, sujeitos a demandarem a intervenção de resgate e salvamento, e se nada der certo, a punição (ABRAMO).
O contexto
O modelo de desenvolvimento brasileiro (principalmente nas capitais), altamente concentrador, exclui expressiva parcela da população dos mais elementares benefícios do crescimento econômico e social. Os processos de segregação social e a expansão da área metropolitana através das periferias contribuem para o comprometimento da integridade física e mental dos cidadãos que nela vivem. Grande parte da população mora em regiões menos favorecidas das grandes cidades, perpetuando uma herança social e econômica cada vez mais devastadora e desigual. Esse fenômeno tem refletido diretamente nas famílias que muitas vezes negligenciam a educação de seus filhos, por diversos motivos e deixando o desenvolvimento educacional, fundamental na formação da cidadania, apenas a cargo da escola. Entretanto a escola pública no Brasil vem se deteriorando e perdendo sua credibilidade institucional, e por conseqüência não consegue prender a atenção dos estudantes, pois muitas vezes o saber é transmitido de maneira distante da realidade do educando e sem nenhum vínculo afetivo². Para a maioria desses adolescentes a representação social da escola é aterrorizante e animalesca uma vez que dentro das mesmas eles sofrem descaso e descriminação, devido sua condição social, por parte de funcionários mal remunerados e despreparados para desempenhar a função de educadores (formais).
A construção do sujeito social
É na juventude que ocorre o desenvolvimento do indivíduo como sujeito social, capaz de modificar o entorno social e realizar projetos pessoais. Dentro do processo de formação do sujeito social existem diversos pontos importantes que conduzirão o indivíduo por caminhos (reais e mentais). Portanto, ponto fundamental são os padrões de referência formados ao longo da vida. A sua formação é permeada pelas imagens dos papeis sociais desenvolvidos pelos membros da comunidade, essas imagens são associadas a modelos de comportamento (referências), ideais ou não. Isso dependerá dos valores do grupo e dos modelos que forem compartilhados, mas serão os modelos disponíveis que irão atuar como referência. Segundo Berger e Luckmann este é o processo de aprendizagem do mundo que já existia e que passa a ser partilhado por todos.
A baixa escolaridade, falta de trabalho, de acessoa bens públicos, ausência do poder público proporciona espaço para atividades ilícitas. A população, muitas vezes, está a mercê da sorte e do acaso e a intervenção estatal é na busca do controle e punição.
Educar – Contra ponto entre educação formal (ensino obrigatório) e educação não formal (educação social)
A educação social não procura promover a aprendizagem de um conceito ou técnica, tem por objetivo fazer a educação para o convivo social, buscando contribuir para a formação de um indivíduo-social capaz de se reconhecer sujeito da história.
Por isso ao falar de educação não formal me refiro a esse compromisso de formação, podemos dizer que filosófico, moral e ético. Walter Benjamim afirma que a transmissão de valores sociais só acontece na prática cotidiana e não no discurso conceitual.Por isso podemos acreditar que o educador seja um agente de intervenção, contribuindo para a reflexão sobre a realidade? A educação formal deixou de lado esse compromisso de formar a base filosófica, moral e ética dos alunos?
Parece-me que sim, e aconteceu por diversos motivos (ideológicos, estruturais, pessoais, políticos, etc.) ao longos dos anos. Os educadores cansados de terem seus sonhos e expectativas frustradas também foram se afastando, mas esse afastamento foi somente do elo emocional (ver Síndrome de Burnout). A educação foi virando um comércio frio… cada vez mais, o conhecimento foi sendo despejado em cima dos alunos sem nenhum vínculo e sentido³. O conhecimento tornou-se uma obrigação, e na verdade virou a obrigação de ir a escola, independente de conseguir compreender o mundo.
O Grupo de Estudo sobre Educação Social – GEES4 entende a educação como o processo de formação de um indivíduo autônomo, que saiba lidar com os obstáculos existentes na vida, sem se entregar à autodestruição. Um indivíduo que enxergue sua realidade, que fique ciente de si e dos outros. Que passe a ver a situação vivenciada como ‘problema’ a ser superado e procure romper com o ciclo vicioso no qual está inserido; uma educação emancipadora. Entretanto esta é uma visão associada aos que lutam contra a opressão, a dominação e a alienação, ou seja o domínio do capital (SADER, E. apud MÉZÁROS).
Para que isso ocorra é necessário proporcionar a convivência que promova respeito, solidariedade e desenvolvimento criativo, possibilitando a participação responsável de todos, levando o educando ao protagonismo de sua própria vida. Também é necessário formar e fortalecer vínculos que permitirão entrar no mundo do indivíduo; estabelecendo uma relação de confiança e respeito mútuo, onde o educador problematize a situação do educando num processo dialógico e legitimado pela as duas partes. A escola (ou locais de promoção educacional) é o um dos locais de socialização secundária do individuo, local no qual este entrará em contato com outros valores, visões de mundo, regras etc… tudo aquilo que compõe o mundo social.
Então, o educador esta no centro desta relação? Ele é o canal para o mundo do outro e condutor da reflexão sobre as diferenças?
Entretanto este pode ser o papel da educação não-formal, Mézáros apresenta a educação formal como fornecedora dos “conhecimentos e o pessoal necessário ao sistema de produção”, como porta voz dos “valores que legitima os interesses dominantes” e por fim como promotora de “conformidade ou consenso” (MÉZÁROS 2005:35).
O educador como agente (com responsabilidade) social
Dentro do contexto apresentado o educador é o agente de intervenção na realidade. Cabe a ele a ação social. Ele é o profissional que desenvolve uma ação pedagógica, sendo responsável por mediar à reflexão, junto ao educando, sobre a sua atual situação e outras possibilidades de vida. O papel do educador é contribuir para a construção de um individuo capaz de conduzir a própria vida?
Ao estabelecer a relação com o educando, o educador assume a figura de referência e põem em prática seu conjunto de valores, normas e maneira de ver o mundo. A partir desta contraposição de olhares, o educador será o condutor da reflexão sobre a realidade por meio de um diálogo problematizador que procurará levantar questões sobre a realidade do educando?
Neste caso o educador (principalmente ao dialogar com a juventude) tem de estar disposto a lidar com novas formas de comunicação, formas simbólicas e culturais, muitas vezes não conhecidas. Pautar sua ação no rompimento das construções sociais baseadas no senso comum, que constrói a imagem de uma juventude alienada, sem consciência de si e sem interesse pela participação política e social. Helena Abramo, ressalta que está é uma visão falaciosa do jovem, pois olhamos para a juventude de forma já estabelecida. Esta socióloga afirma que existe uma necessidade de desviar o foco do olhar e propõem um outro olhar para este universo juvenil. A socióloga aponta para as formas de participação política, não-política e também as experiências não-institucionais. Se o educador mantiver seu olhar preso nos modelos históricos de participação , encontrará poucas organizações que o satisfaça e ficará com a idéia de população desinteressada.
Cabe ao educador dialogar com essa novas formas de organizações e considerá-las importantes, propor ao educando uma reflexão sobre elas: porque a atitude violenta ou o ‘crime’? Qual o objetivo da sua participação nestes eventos? E em outras atividades?
Por fim, a educação social vai além dos conceitos técnicos e científicos. Aquele que se propõe a desenvolver a atividade de educador deve ter a ciência de que é uma relação de trabalho muito complexa, no qual o objeto e o produto do trabalho é outro ser humano, que exigirá um envolvimento afetivo e o compromisso com a formação do individuo social. Também tem de estar disposto a lidar com o desconhecido, pois somos diferentes e temos formas diferentes de intervir no mundo que recebemos. Todos estão reelaborando e produzindo novos códigos, valores, necessidades, etc.
Quem de fato faz a educação não é somente as teorias educacionais ou filosóficas, o conjunto humano responde pelas práticas que consolidam o sistema de ensino. Quem são os educadores que estão nas escolas? Eles estão lá para reproduzir ou para romper a ordem estabelecida? A educação social é apenas uma retórica ideológica? Ou é possível inclui-la nos sistemas formais?
Bibliografia
BOURDIEU, P. (Coord). A Miséria do Mundo, Petrópolis:RJ, Vozes, 1997.
ABRAMO, H. Observatório Jovem – participação e organizações juvenis, in SÃO PAULO (prefeitura). PROJOVEM – formação de gestores municipais e educadores – textos selecionados para formaçõa inicial.
BENJAMIN, W. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo, Duas Cidades; editora 34, 2002.
BERGER, P. e LUCKMANN, T. A Construção Social da Realidade - Tratado de Sociologia do Conhecimento.
CODO, W. (coord) et. al. Educação: carinho e trabalho – Burnout, a síndrome da desistência do educador, o que pode levar a falência da educação. Petrópolis/RJ. Vozes. 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, Paz e Terra, 45ª ed.,
GREGORI, M. F. Viração – experiências de meninos na rua. Companhia da Letras. São Paulo. 2000.
MARTINS, M. A. V. O professor como agente político. Edições Loyola, São Paulo , 1984.
MÉSZAROS, István. A Educação para além do capital.
SEVERO, Antonio J. Preparação técnica e formação ético-político dos professores in BARBOSA, R. L. L (org.). Formação de educadores – desafios e perspectivas. São Paulo. Unesp. 2003.
¹principalmente na educação formal.
²A questão do vínculo afetivo pode ser melhor entendido na discussão que procura entender a relação ente trabalho e afetividade, realizada por CODO, W. in Educação: carinho e trabalho.
³Paulo Freire define esta relação educando-educador como educação bancária, pois apenas deposita conhecimento.
4Grupo formado por sociólogos que atuam como educadores sociais em processos não formais de educação.
Fonte: www.educacaosocial.org.br/forum
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